Em poucos dias, a conferência climática apoiada pela ONU, conhecida como COP30, acontecerá em Belém, no Brasil, às margens da floresta amazônica.
Para entender o que está em jogo, o Conservation News conversou com Florence Laloe, líder de políticas climáticas da Conservation International, e Mauricio Bianco, vice-presidente da organização no Brasil – ambos brasileiros cujas trajetórias foram dedicadas à proteção da floresta e das pessoas que dela dependem.
Às vésperas da cúpula, eles veem uma oportunidade rara de trazer a atenção do mundo de volta ao lugar onde a luta pela ação climática começou – e ao país cujas florestas podem ajudar a decidir o futuro do planeta.
Por que a COP30 em Belém é um momento tão importante?
Mauricio Bianco: O movimento climático global começou aqui no Brasil, em 1992, na Cúpula da Terra do Rio, e agora está voltando para casa, para a própria Amazônia. Estamos chamando de “COP da Amazônia” ou até de “COP da Natureza”. É o momento para o mundo enxergar o que está em jogo pelos olhos do Brasil – entender que proteger a natureza significa proteger a nós mesmos.
Florence Laloe: Esta cúpula é mais do que simbólica: é também um ponto de virada. Os próximos cinco anos serão decisivos para o setor de uso da terra, que inclui nossas florestas, manguezais, fazendas e ecossistemas. Se o desmatamento e a degradação florestal continuarem no ritmo atual, a Amazônia pode ultrapassar um ponto de não retorno, no qual começa a secar e se transformar em savana. Quando isso acontecer, perderemos não apenas árvores, mas também chuva, biodiversidade e o modo de vida de milhões de brasileiros que dependem da floresta.
Proteger a floresta não é apenas salvar árvores – é evitar um colapso que liberaria grandes quantidades de carbono e alteraria os padrões climáticos em todo o planeta.
Como o mundo pode evitar isso?
FL: Vai ser necessário muito dinheiro e a escala do investimento é imensa. Precisamos de cerca de US$ 1,3 trilhão por ano até 2030 para enfrentar as mudanças climáticas. Não apenas para reduzir emissões, mas também para ajudar as pessoas a se adaptarem, e as florestas precisarão de US$ 300 bilhões até 2030 e US$ 498 bilhões até 2050. Fundos públicos e filantropia, sozinhos, não serão suficientes.
MB: Esse valor trilionário pode parecer abstrato, mas, na verdade, diz respeito a realidades cotidianas: construir estradas que não desmoronem em enchentes, restaurar manguezais que protegem vilas de pescadores, manter rios fluindo para que agricultores tenham água para suas plantações. Esse dinheiro ajuda a proteger meios de vida e estabilidade – trata-se de pessoas, não apenas de números. E é muito mais barato investir na prevenção do que pagar pelos danos depois.
FL: Na COP30, os países precisam concordar com um roteiro financeiro: de onde virá esse dinheiro, como será distribuído e como chegará a quem mais sofre com a crise climática. Isso inclui reformar bancos de desenvolvimento e estruturas de dívida para que o financiamento climático não empurre ainda mais os países em desenvolvimento para o endividamento. Hoje, muito pouco vai para natureza e adaptação, ou seja, para ajudar as pessoas a viverem com as mudanças já em curso. Um relatório recente da ONU mostrou que o apoio à adaptação climática caiu em 2023, mesmo com as necessidades crescendo – a diferença entre o que é necessário e o que está disponível chega a serdez vezes maior. Precisamos fechar essa lacuna investindo não só em redução de emissões, mas em ajudar as comunidades a lidar com os impactos que já estão acontecendo.
Quais novas ideias de financiamento estão surgindo para manter as florestas em pé?
MB: Há uma iniciativa em especial pela qual estou bastante otimista e, claro, como muitas coisas na COP, tem um nome longo: Tropical Forest Forever Facility (Fundo Florestas Tropicais para Sempre), ou TFFF.
As florestas tropicais, como a Amazônia, armazenam enormes quantidades de carbono. Quando são derrubadas, esse carbono é liberado na atmosfera, agravando as mudanças climáticas. A ideia do TFFF é inverter essa lógica: os países participantes seriam recompensados por manter suas florestas em pé e saudáveis.
FL: É uma ideia inovadora porque oferece financiamento estável e previsível, não dependente de ciclos políticos ou mercados voláteis. As florestas já geram valor econômico real, desde garantir água potável até abrigar polinizadores que ajudam a alimentar o mundo, e o TFFF reconhece e recompensa esse valor. A iniciativa pretende levantar cerca de US$ 125 bilhões de investidores globais. Esse montante geraria US$ 4 bilhões por ano em retornos, pagos a países que mantêm suas florestas intactas.
MB: E, fundamentalmente, o mecanismo garante que pelo menos 20% desses recursos sejam destinados diretamente a povos indígenas e comunidades locais, as pessoas que protegem a Amazônia há séculos e que estão entre as mais eficazes em manter a natureza viva.
Um dos principais temas da COP30 será a atualização das regras dos mercados de carbono, mas muita gente nem sabe o que isso significa. Pode explicar?
FL: Essencialmente, mercados de carbono são mecanismos de troca em que créditos de carbono são comprados e vendidos por países e empresas. Eles criam incentivos financeiros para que comunidades e nações protejam florestas e outros ecossistemas que armazenam carbono – evitando emissões que ocorreriam com o desmatamento ou a degradação. Nem todas as soluções vêm da natureza; alguns créditos estão ligados a energia limpa ou tecnologias que reduzem emissões.
MB: Mas muitos dos mais eficazes vêm, sim, da natureza. E, quando bem implementados, esses mecanismos fazem com que o financiamento chegue às comunidades, apoiando quem protege a floresta todos os dias. Eles podem gerar renda para territórios indígenas, vilas ribeirinhas e pequenos produtores, além de financiar educação, saúde e monitoramento florestal. Sem os mercados de carbono, não teremos a escala de financiamento necessária para proteger as florestas e sustentar as pessoas que dependem delas.
FL: O desafio são as regras. No Acordo de Paris, o Artigo 6 define como os mercados de carbono funcionam internacionalmente. As propostas atuais correm o risco de deixar de fora as Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como a restauração de florestas e manguezais. Isso seria um grande erro. Um mercado de carbono que ignora a natureza não só compromete as metas climáticas, mas também enfraquece economias e comunidades que dependem de ecossistemas saudáveis.
Na COP30, a Conservação Internacional defende regras claras e baseadas na ciência, que conciliem integridade ambiental e viabilidade econômica, valorizando plenamente a natureza e garantindo transparência, equidade e forte participação de povos indígenas e comunidades locais.
O que vocês esperam que as pessoas levem da COP30?
MB: É sobre legado. Como brasileiros, temos orgulho de que a Amazônia é parte de quem somos – mas ela também faz parte de todos. Queremos poder olhar nossos filhos e netos nos olhos e dizer que agimos como uma comunidade global, e agimos a tempo.
FL: Para mim, trata-se de urgência e possibilidade. Nossa janela para evitar o descontrole da crise climática está se fechando rapidamente. Os próximos cinco anos vão definir os próximos cem. Não há vida na Terra sem natureza – e o mundo olha para o Brasil para mostrar que uma floresta em pé vale mais do que uma derrubada. A COP30 é nossa chance de transformar essa verdade em ação.

